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Entrevistas
PROFESSOR ANGELO DA CUNHA PINTO
A perfeita sinergia entre a Farmácia e a Química de Produtos Naturais
Por Lucia Beatriz Torres
Considerado um dos pesquisadores mais produtivos na área da Química de Produtos Naturais da atualidade, o Professor Angelo da Cunha Pinto, do Departamento de Química Orgânica do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), converge para si as qualidades de um exímio farmacêutico e de um profícuo alquimista. Seu forte embasamento científico conjugado com a sua paixão pela história das descobertas dos produtos naturais originou inúmeros artigos que contribuem para divulgação da ciência no Brasil.

Graduou-se na Faculdade de Farmácia da UFRJ, em 1971, e obteve o título de mestre em Química pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), em 1974. No ano seguinte iniciou sua carreira científica no Núcleo de Pesquisas Produtos Naturais (NPPN) e logo teve a chance de ser absorvido pelo quadro docente da UFRJ, como professor assistente. Em 1985, concluiu o seu Doutorado em Química Orgânica no Instituto de Química da UFRJ e transferiu-se para a Instituição. Em 1986 assumiu o cargo de diretor adjunto de pós-graduação, que exerce até os dias de hoje.

Pesquisador do CNPq, nível 1A, membro da Academia Brasileira de Ciências, desde 1997, e editor de periódicos de relevo nacional e internacional como o Journal of the Brasilian Chemical Society, o Professor Angelo Pinto tem sido agraciado com diversos prêmios durante a sua carreira.

Em 2004, foi contemplado com a maior condecoração que um cientista pode receber do Governo Brasileiro, a insígnia Grã-Cruz, como reconhecimento não só de sua produção científica como também em função de suas contribuições para a projeção da ciência no Brasil.
Ministro Eduardo Campos, Grã-Cruz Ângelo da Cunha Pinto e Presidente Luiz Inácio Lula da Silva  

De Portugal para o Brasil
Angelo da Cunha Pinto nasceu na cidade de Marco de Canavezes, em Portugal. A mesma cidade que nasceu Carmem Miranda. Chegou ao Brasil, na época do pós-guerra, em 1951, com sua família quando tinha acabado de completar 2 anos. Sua infância foi toda em Niterói, cidade que habita até hoje. As ruas de terra batida eram um ambiente propício às brincadeiras pueris: futebol, amarelinha, balão, bola de gude.


Da escola para a Universidade
Na época da escola sempre foi um bom aluno. Ciências, Português e História eram o seu forte. No científico se apaixonou pela química e na universidade fez vestibular para a instituição que ensinava a melhor química orgânica, a Faculdade de Farmácia da UFRJ. Concomitante ao curso de farmácia se inscreveu na Escola de Teatro Villa Lobos. Por um curto período de tempo experimentou a fruição da arte, mas acabou optando pelo seu lado científico.


De Padre à Farmacêutico
Até ingressar no mestrado, escondeu de sua família que tinha se formado em Farmácia, por medo de decepcionar os pais que sonhavam que ele se tornasse médico ou padre.“Como eu sempre tive muita dificuldade com religião, então eu tinha certeza que seria médico”, declarou o Prof. Angelo Pinto que revelou, logo em seguida, porque desistiu da carreira de medicina: “nunca tive aptidão para doença, mexer com sangue, secreção. Eu nunca gostei disso. Até hoje tenho uma certa dificuldade”.


De aluno rebelde a professor dedicado
Angelo Pinto sempre teve uma coisa definida na cabeça: não queria ter um horário definido, rígido. Para ele, a rigidez “nine to five” da indústria farmacêutica nunca foi uma opção. Com certa vocação científica, fez opção pela Química Terapêutica e estreitou os seus laços com a pesquisa na universidade. Rebelde por natureza foi preso pelo menos duas vezes quando militava no movimento estudantil do diretório de Farmácia da UFRJ, mas foi aceito como mestrando no Instituto Militar de Engenharia (IME). Já docente, quase foi expulso do Núcleo de Produtos Naturais (NPPN) por questionar o sistema universitário. A proteção do Prof. Afonso do Prado Seabra foi estratégica para manter Angelo na Instituição. Para evitar maiores conflitos transferiu-se para o Instituto de Química da UFRJ e lá se configura entre os seus docentes mais dedicados.


 
O interesse pela Química de Produtos Naturais
No NPPN, o Prof. Angelo Pinto fez várias viagens pelo Brasil e descobriu o que realmente gostava de fazer: Química de Produtos Naturais.
Vellozia compacta

Teve uma boa escola, fez excursões com Burle Marx para coletar plantas. Trabalhou com pesquisadores importantes como o Prof. Benjamim Gilbert, Carlos Toledo Rizini e Walter Mors, expoentes nacionais e internacionais em Química de Produtos Naturais. Há 20 anos pesquisa a química das Velosiáceas. No Brasil, faz parte do grupo que melhor conhece a atividade biológica dessa família botânica no mundo.


ENTREVISTA EXCLUSIVA PORTAL DOS FÁRMACOS


Portal
: A que o Sr. atribui o seu sucesso profissional?


Prof. Angelo Pinto: Dedicação. Muito trabalho. 100% transpiração. Tenho que trabalhar no mínimo 12 horas diárias para poder realizar a coordenação do grupo de pesquisa, manter a produção científica, a minha atividade docente, que é muito importante pra mim, e a atividade de editoria científica no Journal of the Brazillian Chemical Society. A formação que eu tive na graduação de Farmácia na UFRJ foi muito boa e me permitiu fazer tudo o que eu faço hoje.


Portal: Como o Sr. avalia a multidisciplinariedade dentro das Ciências Farmacêuticas?

Prof. Angelo Pinto: As Ciências Farmacêuticas são multidisciplinares e essa é uma de suas grandes dificuldades. Ela é como se fosse um polvo, que cada tentáculo está voltado em um sentido. Isso faz também com que a gente perca uma certa identidade. Se hoje você for procurar, não só na UFRJ, mas em várias universidades brasileiras, vai encontrar graduados em Farmácia em praticamente todas as áreas, todos os Departamentos.


Portal
: Qual é a sua especialidade científica?

Prof. Angelo Pinto
: Durante muito tempo eu fui considerado uma revelação na área de Química de Produtos Naturais. Por outro lado, a Química de Produtos Naturais evoluiu muito nos últimos 25 anos e o que se fazia no Brasil era aquilo que já havia sido feito, na Europa e nos países centrais como EUA e Japão, na década de 50. Como nós não tínhamos uma infra-estrutura que nos permitisse continuar competitivos no plano internacional, então eu fui me interessando pelo desenvolvimento de novos métodos de síntese de substâncias heterocíclicas e pelo desenvolvimento de separação de substâncias orgânicas. Um dos grandes gargalos, hoje, da Química de Produtos Naturais. Atualmente, chegar a estrutura de um produto natural não é mais nenhum “feito científico” como era há 30 anos, quando era considerado uma glória determinar uma nova estrutura orgânica. Na medida em que isso foi passando para a fase de rotina eu fui também evoluindo para outras linhas científicas.


Portal
: O que é a s&iacutentese subst&aãirc;ncias heterocíclicas?

Prof. Angelo Pinto
: Os heterOcíclicos são substânciac org&acirc¿nicacque apresentam heteroátomos. Por exemplo: se uma molécula apresenta um enxofre (S), um átomo de nitrogênio (N), um oxigênio (O), dentro de um anel de átomos de carbono (C) pode ser considerada um heterociclo. 75% dos fármacos ou mais são substâncias heterocíclicas. No meu mestrado eu fiz síntese de substâncias heterocíclicas voltadas para aquelas que tivessem atividade no sistema nervoso central. Hoje, nós trabalhamos não só na área de substâncias que poderão ter atividades anticâncer como também antiparasitária, mas sempre em função de obter nova metodologia de síntese para se chegar a essas substâncias. Tendo elas em mãos, essas substâncias são ensaiadas pelos grupos de farmacólogos da UFRJ, bem como de outras universidades brasileiras e também de grupos do exterior.


Portal: Isolar o princípio ativo de uma planta é muito difícil?

Prof. Angelo Pinto: Às vezes sim, porque, em muitos casos, aquela atividade pesquisada é devido a um conjunto de substâncias e não há uma única substância. Então há o que se chama de sinergismo. Por exemplo: você tem o extrato de uma planta que apresenta uma determinada atividade. Quando você separa esses extratos em componentes individuais essa atividade desaparece. Se voltar a reunir esses componentes individuais, numa fração ou num extrato, você tem a atividade de volta e isso é muito comum. Agora, existem casos como o taxol - a grande vedete atual para câncer de mama e ovário - que é um produto natural na qual a atividade se deve a ele em forma pura. Mas não são muitos esses casos não.


Portal: Quando se consegue isolar o princípio ativo de uma planta, ele pode começar a ser produzido em laboratório, a planta deixando de ser coletada na natureza?

Prof. Angelo Pinto
: Dependendo da estrutura, se ela não for tão complexa, você pode partir para a síntese. Isso é bom porque normalmente as plantas não produzem os princípios ativos em grande quantidade. Às vezes você não tem quantidade suficiente para todos os ensaios que necessita. Se a estrutura é mais simples, do ponto de vista da complexidade estrutural, o químico orgânico faz a síntese e também pode fazer as modificações nessa estrutura, visto que ela é o ponto de partida. O interessante é que você possa também fazer algumas transformações químicas e verificar se melhora determinada atividade.


Portal: Diante da sua vasta produção científica, qual o Sr. considera a mais relevante?

Prof. Angelo Pinto: O que eu posso dizer que é uma coisa marcante, hoje, na minha produção científica é tudo aquilo que eu fiz em termos de Química de Produtos Naturais sobre a família das Velosiáceas e, no caso da síntese orgânica, sobre o núcleo de uma substância chamada de isatina. Esses são os dois grandes domínios que eu e o meu grupo de pesquisa atuamos e conseguimos ter uma certa liderança nacional e internacional.
isatina


Portal: Fale um pouco de suas linhas de pesquisa. Como e porque o Sr. começou a pesquisar as Velosiáceas?

Prof. Angelo Pinto
: Eu me apaixonei por estas espécies durante umas excursões que eu fiz à Serra do Cipó e à Diamantina. A Velosiácea é uma família de plantas muito característica do cerrado brasileiro. São plantas que crescem em solos rochosos, sob uma camada muito fina de terra, estão expostas à intempéries, apresentam uma longevidade muito grande, com um mecanismo de defesa muito aperfeiçoado. Em função dessas características de sobrevivência, eu achei que poderia encontrar, em seu metabolismo vegetal, certas substâncias que protegessem essas plantas do ataque de insetos - já que elas dificilmente têm predadores – e, também do grande grau de insolação, visto que elas vivem com pouquíssima água. Essas plantas têm um metabolismo muito intenso, aperfeiçoado e grande parte das substâncias que nós isolamos em laboratório são providas de atividade biológica.


Portal: Do estudo das Velosiáceas dá para se chegar a algum fármaco?

Prof. Angelo Pinto
: Quando você trabalha com plantas, em Química de Produtos Naturais, existe um objetivo que é descobrir certas substâncias que apresentem uma determinada atividade biológica. Isso é um ponto inicial para a descoberta de novos fármacos. Em 1992, ganhamos o Prêmio Ambriex, da Sociedade de Farmácia e Química de São Paulo com um trabalho de síntese de hormônios vegetais. As substâncias que deram origem a este hormônio são naturais e foram isoladas da família das Velosiáceas.


Portal: E o que é uma isatina?

Prof. Angelo Pinto
: Isatina é um heterocíclico com 8 átomos de carbono (C), 2 átomos de oxigênio (O), 1 átomo de nitrogênio e 5 átomos de hitrogênio (H) e que nós produzimos endogenamente [dentro do nosso corpo], que parece estar associada a alguns defeitos metabólicos, principalmente ligados ao envelhecimento. Essa substância é encontrada no cérebro tanto de humanos como em microorganismo e em plantas. Sobre esse núcleo básico nós fizemos muitas modificações estruturais, agregando alguns anéis a esses dois da isatina, e com isso produzimos um número muito grande de novas substâncias, que vêm tendo uma atividade biológica bastante considerável.


Portal: Esse estudo da isatina pode ser a base para um novo fármaco?

Prof. Angelo Pinto
: Esse é o objetivo. Existem alguns fármacos que são derivados de isatina, principalmente dois inibidores da enzima chamada Quinase que já são comercializados e a gente vem perseguindo para o desenvolvimento de algumas substâncias com atividade anticâncer. O nosso foco é mais em câncer.


Portal: De onde vem a sua paixão pelo estudo da história das descobertas científicas?

Prof. Angelo Pinto
: Eu sempre fui um excelente aluno em história. Eu lembro que no ginásio eu tirei 10 na primeira prova e eu decidi que eu só tiraria 10 em história dali por diante. Eu gosto tanto da parte de história do Brasil quanto de história da Ciência. Praticamente todo o dia estou me dedicando um pouco para história da Ciência. Eu pretendo intensificar o trabalho na área de divulgação da ciência e para isso aproveito muito o conhecimento popular. Este ano irei lançar um livro voltado para a história das plantas medicinais.


Portal: O Sr. acredita que, a partir do momento que a população entender que o medicamento é uma ciência, ela passará a se relacionar melhor com os fármacos e fazer um uso mais consciente dessas substâncias terapêuticas?

Prof. Angelo Pinto
: Com certeza. A divulgação científica tem essa finalidade que é esclarecer a população em geral. À medida que a população brasileira for mais bem esclarecida do que seja ciência ela vai poder entender e praticar isto. Dessa forma é necessário que os cientistas se dirijam à população com uma linguagem simples que ela possa entender. Isso vai fazer com que a população possa ser aliada dos cientistas principalmente quando chegar a hora de levar os medicamentos da bancada para as prateleiras.


Portal: Qual a sua perspectiva para que o Brasil possa começar a desenvolver fármacos que falem português?

Prof. Angelo Pinto
: Até hoje, no Brasil, só foi desenvolvido um único medicamento, de origem vegetal, que é chamado de Acheflan®, um antiiflamatório. A gente precisa intensificar as nossas pesquisas neste sentido, de chegar com um produto nosso até as prateleiras das farmácias. Tanto do ponto de vista das substâncias de origem vegetal e animal quanto aquelas de origem sintética. Ainda é um gargalo muito grande. Mas acho que o Brasil está no caminho certo. Hoje vejo vários grupos que vêm se profissionalizando neste sentido, e o Instituto do Milênio Inovação e Desenvolvimento de Fármacos e Medicamentos, o IM-INOFAR, é um grande exemplo disso. A indústria está começando a se aproximar e a investir. Porque só o lado universitário realmente não vai fazer com que chegue um medicamento até a prateleira da farmácia.  Mas com a colaboração da indústria nacional, certamente nos próximos 10 anos, o Brasil vai ter o desenvolvimento de pelo menos um ou dois medicamentos.


Portal: Quais são as suas metas científicas para 2008?

Prof. Angelo Pinto
: Seria enveredar para a parte de produto e também para área da elaboração de livros, principalmente livros voltados para a história da ciência. Eu penso, já em 2008, estar lançando um livro nessa direção e continuar com as orientações de mestrado, doutorado e iniciação científica, ou seja, desenvolvendo novos pesquisadores. A formação de novos talentos para a área científica é uma das coisas que mais gosto de fazer.


Portal: O Sr. pensa em se aposentar?

Prof. Angelo Pinto
: Não. Eu torço inclusive para que a aposentadoria compulsória seja estendida de 70 para 75 anos. Espero estar produzindo em 2008, 2009 e mesmo depois de aposentado compulsoriamente continuar fazendo aquilo que eu gosto. Eu nunca tive nenhuma vontade e nunca pensei em me aposentar.



PORTAL DOS FÁRMACOS - opinião

Prof. Angelo Pinto:
Essa iniciativa do Portal dos Fármacos é bastante inteligente. É importante deixar registrado realmente aquelas figuras que trabalharam em prol do crescimento da ciência brasileira. Decodificar a linguagem científica em uma linguagem popular é uma arte, que requer muita dedicação. Gostaria de dar os parabéns ao Professor Eliezer Barreiro e a toda equipe pelo trabalho de divulgação em ciência que eles vêm fazendo e desejar sucesso ao Portal dos Fármacos.



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